Para além do internetês, a internet está mudando a maneira como lemos e escrevemos
Na ponta do lápis: escrever tornou-se uma atividade mais banal depois da internet, consequência de blogs, e-mails e redes sociais |
Tradição viva Hoje, com mais de 37 milhões de usuários de internet só no Brasil, essa tradição de escrita parece mais viva do que nunca, impulsionada por novas tecnologias e amplificada pela comunicação em rede. Não é exagero afirmar que e-mails, blogs e redes de relacionamento já deixaram sua marca na produção textual contemporânea. Para o escritor Michel Laub, autor dos romances O Gato Diz Adeus e Longe da Água (ambos pela Cia. das Letras), a internet tornou os textos mais naturais e coloquiais, embora não seja a única responsável por essas mudanças.
- O texto da internet é um texto em geral mais coloquial, menos "literário", no sentido de ser mediado por truques de estilo. A internet não inventou a coloquialidade, mas fez com que ela passasse a soar mais natural para muito mais gente e, estatisticamente ao menos, virou um certo padrão - afirma.
Com cada vez mais usuários - o acesso à rede no Brasil aumentou 35% entre 2008 e 2009 - a internet está criando novos hábitos de comunicação entre as pessoas, que acabam se adaptando às facilidades da nova tecnologia. Isso vale tanto para a leitura, em vista da profusão de textos veiculados na rede, quanto para a escrita, principal meio de expressão do internauta (pelo menos até que as conversas "via voz" se tornem mais corriqueiras).
Superficialidade
Há quem veja nessa torrente de informações que jorra na internet um fator negativo, dificultando nossa concentração em textos de fôlego como romances, por exemplo. Em artigo controverso publicado na revista The Atlantic em 2008, intitulado "O Google Está nos Deixando Idiotas?", o crítico de tecnologia Nicholas Carr defende a tese de que a navegação na internet está interferindo em nossa capacidade de leitura. Se antes, afirma Carr, ele se sentia um "mergulhador num oceano de palavras", hoje ele literalmente se sente "esquiando nesse oceano", dando a entender que a experiência de ler proporcionada pela internet é bastante superficial.
Por falar em imersão, para Roseli Deieno Braff, supervisora de língua portuguesa da editora COC, essa geração que já nasceu imersa na tecnologia não possui carência de informações, pois está sempre conectada. Porém falta muitas vezes a capacidade de se aprofundar mais no que leem e, consequentemente, de separar o joio do trigo.
- Não falta informação para esses jovens, mas muitas vezes falta a capacidade de processar e refletir sobre tudo o que leem. Ansiosos e inquietos, consideram uma tarefa muito difícil ler um livro de cem páginas. Nesse sentido, a ausência de concentração torna-se muito negativa, obstáculo inclusive para a resolução dos problemas que a vida certamente vai oferecer - afirma Roseli.
Ainda que o processo de reflexão não esteja acompanhando o ritmo acelerado com que esta geração vem consumindo informações, a professora de português Rosangela Cremaschi, do curso de Comunicação Escrita da FAAP, acredita que a diversidade de códigos e linguagens tem deixado os jovens mais atentos e receptivos.
- A internet deixou o leitor mais receptivo e participativo, pois recebe informações em diferentes linguagens e por meio de leituras não lineares. O texto até então "sagrado" se torna mais acessível. Se antes o ato de ler era algo distante, a internet acabou com isso, o que é positivo - defende Rosangela.
O escritor Michel Laub também vê com bons olhos os novos hábitos de leitura incutidos pela tecnologia. Para ele, a propensão a textos mais curtos em sites e blogs não nos tornou necessariamente mais dispersos ou desatentos. Ao contrário: lê-se mais do que antigamente.
- Os que leem textos mais longos e difíceis são uma minoria como sempre foram. Mas o restante das pessoas, que há uma década não lia nada, hoje trabalha com o texto escrito boa parte do tempo, e isso cria um certo hábito de leitura, mesmo que diluído - afirma.